As celas do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em São Paulo, onde vários presos políticos ficaram detidos e alguns foram torturados e assassinados,
foram palco da inauguração de uma exposição fotográfica, que reconta a história da resistência à ditadura militar no Brasil, entre os anos de 1964 e 1985.
O prédio onde funcionava o Dops está reformado, as celas não guardaram os registros feitos pelos presos, como as inscrições nas paredes, que foram apagadas por pinturas, ou os pequenos buracos entre as celas, que serviam para os presos se comunicarem, que foram tampados. O cenário atual foi bastante criticado por autoridades, ex-presos políticos e familiares, na inauguração da mostra. Para eles, conservar o local como era, seria importante para manter viva a memória e a história de resistência dos chamados "anos de chumbo".
"Os escritos na parede pelos presos foram apagados, nós não queremos isso, que a história seja esquecida, nós queremos uma referência das celas do Dops para que elas nos mostrem o que foi aquela época", disse o Secretário da Cultura do Estado, João Sayad. Ele informou que vai tentar deixar o prédio o mais perto possível do que foi a realidade naquele período, para que represente de fato "a memória da resistência daqueles que lutaram pelo nosso País".
"Nós precisamos reconstruir a nossa história, não queremos as celas pintadas, queremos reconstruir a memória do que foi e daqueles que passaram por aqui. A memória é importante para qualquer povo que se orgulha de si mesmo. Países da Ásia e Europa preservam a história há milênios e nós temos que fazer isso aqui e revigorar a luta que o povo teve", avaliou o governador de São Paulo em exercício, Alberto Goldman.
O coordenador do Fórum dos ex-presos e perseguidos políticos do Estado de São Paulo, Rafhael Martinelli, comentou que quando esteve preso foi testemunha das torturas e assassinatos cometidos dentro do Dops e acredita que o local passa a ser agora "o símbolo da resistência democrática contra a ditadura. Passa a ser uma referência histórica para que nunca mais aconteçam as barbaridades cometidas contra o cidadão, em nome de uma ordem econômica injusta e por uma classe dominante sinistra", disse Martinelli.
É uma homenagem às vítimas de tortura durante a ditadura militar, como Cleuzer de Barros, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Cleuzer: " É cruel rever este lugar onde tantas pessoas sofreram. Recebi injeções de éter nos dois pés durante um interrogatório" .
São Paulo A geógrafa Cleuzer de Barros, 57 anos, dedicou o dia de ontem a um duplo reencontro. Visitou a cela onde esteve presa durante três meses nos anos de 1969 e 1971 e reviveu um pouco da história recente do país. O nome de Cleuzer ilustra um dos milhares de prontuários de presos políticos que foram encarcerados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). O antigo prédio do Dops, região central de São Paulo, está sendo entregue à população hoje, restaurado como espaço cultural. O Dops abrigará um museu e um Memorial da Liberdade, em homenagem a brasileiros como Cleuzer, que foram vítimas da tortura e do arbítrio da ditadura militar. "É cruel rever este lugar onde tantas pessoas sofreram" , desabafou a ex-militante de esquerda, sem conseguir conter as lágrimas.
As lembranças que mais pesaram se referem a torturas, vividas por ela própria e por militantes da Ala Vermelha do Partido do Comunista Brasileiro (PCB), grupo revolucionário do qual fez parte. Até hoje, ela tem dificuldades para andar. Manca e sente fortes dores nos pés. Adquiriu artrose como resultado da tortura. " Recebi injeções de éter nos dois pés durante um interrogatório" , conta. A aplicação de injeções de éter fazia parte dos métodos de confissão forçada desenvolvidos pelos integrantes da clandestina Operação Bandeirantes (Oban). Cleuzer esteve nas instalações da Oban, nas duas ocasiões em que foi presa, durante os anos de 1969 e 1971. Entre as técnicas usadas pelos agentes da repressão havia métodos atrozes como o pau-de-arara, os choques elétricos nos genitais e a cadeira do dragão. O preso tinha o corpo molhado para aumentar a intensidade dos choques."Fui presa numa tarde e torturada até o dia seguinte amanhecer" , lembra Cleuzer. Mesmo depois de submetida ao suplício, ela não entregou seu companheiro, Paulo de Tarso Giannini. "Eles não conseguiram me dobrar, por isso aplicaram as injeções de éter", afirma, relembrando a dor insuportável provocada pela aplicação. "Fiquei muito tempo sem poder andar, com os pés inchados" , conta. Seu silêncio acabou sendo inútil. O companheiro, Paulo, foi preso graças à confissão de outro militante. O casal, e a maior parte da organização da qual faziam parte foi transferido para o Dops. "No Dops as torturas eram diárias. Todo dia alguém era escolhido", diz Cleuzer. Devido ao seu estado físico debilitado, ela não foi agredida no Dops. Mas era obrigada a assistir as sessões de tortura de seus companheiros, comandada pelo delegado Sérgio Paranho Fleury, chefe do polícia política (leia perfil)."Se alguém abaixasse a cabeça diante de um preso ensangüentado, delegado Fleury nos segurava pelo rosto e nos forçava a olhar", relata outra ex-presa política, a também geógrafa Neide Cousin Barriguelli. Militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), ela dividiu com Cleuzer a cela 3 do Dops, que foi usada como carceragem feminina."Valeu a pena. Faria tudo de novo" , avalia Neide. "É importante reviver essa história. Ela tem de ser preservada" , completa Cleuzer, com uma ponta de nostalgia do idealismo de outros tempos.
O evento de lançamento aconteceu às 11h, na Estação Pinacoteca do Estado – Largo General Osório, 66, e contou com a participação do ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), Paulo Vannuchi; do governador de São Paulo, José Serra; de representante do Grupo Tortura Nunca Mais; do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe); da Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos; e do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.
A exposição fotográfica faz com que os visitantes vivam ou revivam um pouco da história dos anos de chumbo no Brasil. Concebida pela SEDH/PR para comemorar os 27 anos da promulgação da Lei da Anistia no Brasil, a exposição foi aberta, pela primeira vez, em agosto de 2006, na Câmara dos Deputados, em Brasília. De maio a agosto de 2007, os espaços culturais da Caixa Econômica Federal, no Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo, e Salvador receberam a linha do tempo que conta a história do país entre os anos de 1964 e 1985 – época .
foram palco da inauguração de uma exposição fotográfica, que reconta a história da resistência à ditadura militar no Brasil, entre os anos de 1964 e 1985.
O prédio onde funcionava o Dops está reformado, as celas não guardaram os registros feitos pelos presos, como as inscrições nas paredes, que foram apagadas por pinturas, ou os pequenos buracos entre as celas, que serviam para os presos se comunicarem, que foram tampados. O cenário atual foi bastante criticado por autoridades, ex-presos políticos e familiares, na inauguração da mostra. Para eles, conservar o local como era, seria importante para manter viva a memória e a história de resistência dos chamados "anos de chumbo".
"Os escritos na parede pelos presos foram apagados, nós não queremos isso, que a história seja esquecida, nós queremos uma referência das celas do Dops para que elas nos mostrem o que foi aquela época", disse o Secretário da Cultura do Estado, João Sayad. Ele informou que vai tentar deixar o prédio o mais perto possível do que foi a realidade naquele período, para que represente de fato "a memória da resistência daqueles que lutaram pelo nosso País".
"Nós precisamos reconstruir a nossa história, não queremos as celas pintadas, queremos reconstruir a memória do que foi e daqueles que passaram por aqui. A memória é importante para qualquer povo que se orgulha de si mesmo. Países da Ásia e Europa preservam a história há milênios e nós temos que fazer isso aqui e revigorar a luta que o povo teve", avaliou o governador de São Paulo em exercício, Alberto Goldman.
O coordenador do Fórum dos ex-presos e perseguidos políticos do Estado de São Paulo, Rafhael Martinelli, comentou que quando esteve preso foi testemunha das torturas e assassinatos cometidos dentro do Dops e acredita que o local passa a ser agora "o símbolo da resistência democrática contra a ditadura. Passa a ser uma referência histórica para que nunca mais aconteçam as barbaridades cometidas contra o cidadão, em nome de uma ordem econômica injusta e por uma classe dominante sinistra", disse Martinelli.
É uma homenagem às vítimas de tortura durante a ditadura militar, como Cleuzer de Barros, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Cleuzer: " É cruel rever este lugar onde tantas pessoas sofreram. Recebi injeções de éter nos dois pés durante um interrogatório" .
São Paulo A geógrafa Cleuzer de Barros, 57 anos, dedicou o dia de ontem a um duplo reencontro. Visitou a cela onde esteve presa durante três meses nos anos de 1969 e 1971 e reviveu um pouco da história recente do país. O nome de Cleuzer ilustra um dos milhares de prontuários de presos políticos que foram encarcerados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). O antigo prédio do Dops, região central de São Paulo, está sendo entregue à população hoje, restaurado como espaço cultural. O Dops abrigará um museu e um Memorial da Liberdade, em homenagem a brasileiros como Cleuzer, que foram vítimas da tortura e do arbítrio da ditadura militar. "É cruel rever este lugar onde tantas pessoas sofreram" , desabafou a ex-militante de esquerda, sem conseguir conter as lágrimas.
As lembranças que mais pesaram se referem a torturas, vividas por ela própria e por militantes da Ala Vermelha do Partido do Comunista Brasileiro (PCB), grupo revolucionário do qual fez parte. Até hoje, ela tem dificuldades para andar. Manca e sente fortes dores nos pés. Adquiriu artrose como resultado da tortura. " Recebi injeções de éter nos dois pés durante um interrogatório" , conta. A aplicação de injeções de éter fazia parte dos métodos de confissão forçada desenvolvidos pelos integrantes da clandestina Operação Bandeirantes (Oban). Cleuzer esteve nas instalações da Oban, nas duas ocasiões em que foi presa, durante os anos de 1969 e 1971. Entre as técnicas usadas pelos agentes da repressão havia métodos atrozes como o pau-de-arara, os choques elétricos nos genitais e a cadeira do dragão. O preso tinha o corpo molhado para aumentar a intensidade dos choques."Fui presa numa tarde e torturada até o dia seguinte amanhecer" , lembra Cleuzer. Mesmo depois de submetida ao suplício, ela não entregou seu companheiro, Paulo de Tarso Giannini. "Eles não conseguiram me dobrar, por isso aplicaram as injeções de éter", afirma, relembrando a dor insuportável provocada pela aplicação. "Fiquei muito tempo sem poder andar, com os pés inchados" , conta. Seu silêncio acabou sendo inútil. O companheiro, Paulo, foi preso graças à confissão de outro militante. O casal, e a maior parte da organização da qual faziam parte foi transferido para o Dops. "No Dops as torturas eram diárias. Todo dia alguém era escolhido", diz Cleuzer. Devido ao seu estado físico debilitado, ela não foi agredida no Dops. Mas era obrigada a assistir as sessões de tortura de seus companheiros, comandada pelo delegado Sérgio Paranho Fleury, chefe do polícia política (leia perfil)."Se alguém abaixasse a cabeça diante de um preso ensangüentado, delegado Fleury nos segurava pelo rosto e nos forçava a olhar", relata outra ex-presa política, a também geógrafa Neide Cousin Barriguelli. Militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), ela dividiu com Cleuzer a cela 3 do Dops, que foi usada como carceragem feminina."Valeu a pena. Faria tudo de novo" , avalia Neide. "É importante reviver essa história. Ela tem de ser preservada" , completa Cleuzer, com uma ponta de nostalgia do idealismo de outros tempos.
O evento de lançamento aconteceu às 11h, na Estação Pinacoteca do Estado – Largo General Osório, 66, e contou com a participação do ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), Paulo Vannuchi; do governador de São Paulo, José Serra; de representante do Grupo Tortura Nunca Mais; do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe); da Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos; e do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.
A exposição fotográfica faz com que os visitantes vivam ou revivam um pouco da história dos anos de chumbo no Brasil. Concebida pela SEDH/PR para comemorar os 27 anos da promulgação da Lei da Anistia no Brasil, a exposição foi aberta, pela primeira vez, em agosto de 2006, na Câmara dos Deputados, em Brasília. De maio a agosto de 2007, os espaços culturais da Caixa Econômica Federal, no Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo, e Salvador receberam a linha do tempo que conta a história do país entre os anos de 1964 e 1985 – época .
CONHEÇA UM POUCO DO PERFIL DO LÍDER DO ESQUADRÃO DA MORTE .
O delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury foi o mais famoso integrante do Dops de São Paulo. Até a sua morte – em 1º de maio de 1979, na Ilhabela, litoral paulista, quando se afogou ao cair de um iate – , o delegado colecionou indiciamentos judiciais por sua participação em torturas e assassinatos de centenas de comunistas na década de 70 e liderança no Esquadrão da Morte, equipe de agentes da ditadura destacada para perseguir militantes de esquerda. Para livrá-lo da prisão, os deputados da ditadura criaram a Lei nº 5.941. A medida permitia que todos os réus com bons antecedentes respondessem julgamento em liberdade, mesmo se tivessem sido condenados em primeira instância. A lei ficou conhecida como Lei Fleury. O delegado liderou o fuzilamento do guerrilheiro comunista líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, numa rua de São Paulo em 1969.
Nenhum comentário:
Postar um comentário